Chegou a vez do “menino de Deus”

Sucedendo Aparecido Massi e Cesar Kuzma, Gustavo encara um desafio e realiza um sonho: representar o papel principal no tradicional espetáculo Paixão de Cristo

Ele tem Deus no sobrenome e dois de seus melhores amigos se chamam Pedro e Mateus. Alguém pode dizer que é um predestinado ao papel principal do espetáculo Vida, Paixão e Morte de Jesus Cristo, do Grupo Lanteri, que será encenado no Parque Cachoeira, em Araucária, na sexta-feira 30 de março de 2018.

Gustavo Ferreira de Deus, com 23 anos, até acredita em predestinação, mas encara o convite para o papel com simplicidade. Centrado e determinado, se auto define como persistente, preza pela naturalidade e cobra muito de si mesmo. Demonstra na fala e nas atitudes uma maturidade de alguém pelo menos dez anos mais velho… algo como… 33 anos, talvez…

Entrou para o Grupo Lanteri aos 7 anos, em 2002, a convite de Nawbert Cordeiro, um vizinho e amigo que atuava no grupo. Já nessa idade se sentia atraído pelo mundo artístico. Era curioso e antes dos dez anos de idade gostava de locar filmes só para assistir o “making of”, tamanha era a vontade de entender como tudo era feito.

Gustavo participa do Grupo Lanteri desde 2002

Gustavo participa do Grupo Lanteri desde 2002

Junto ao cinema, a música também sempre exerceu fascínio sobre o garoto curitibano. A ponto de achar, por um período, que essa seria sua profissão. Estudou música e participou como professor de crianças em um projeto em escola pública, mas entendeu que tudo isso se consolidava mais como hobby do que profissão. Com naturalidade, encara uma guinada na vida e pretende cursar Educação Física e estudar sobre alimentação saudável, assuntos também muito ligados ao estilo de vida que adotou.

Seja no gosto pela arte desde a infância, seja nos sonhos e projetos de vida, sempre contou com o apoio da família – pai, mãe, um irmão e uma irmã. A mãe faleceu de forma súbita há pouco tempo, mas Gustavo demonstra tranquilidade ao falar do assunto. Fala da boa relação que tinha com ela e acredita que sempre sentirá sua presença. Lembra de forma divertida e emocionada da reação que ela teve quando contou, em 2017, que faria Jesus em algumas cenas da Paixão de Cristo. A primeira pergunta dela foi se ele ia apanhar muito. E a resposta dele foi que naquele ano não, mas quem sabe no ano seguinte…

Nas encenações da Paixão de Cristo, participou do grupo das crianças, a cada ano se encantando mais com tudo o que via e ouvia. Admirava a trilha sonora, montada pelo diretor Aparecido Massi, em grande parte a partir de trilhas de filmes épicos e bíblicos. Para aquele garoto, o Lanteri era, então, cinema, música e teatro juntos num lugar mágico.

Aparecido Massi, em 2004, no papel principal

Aparecido Massi, em 2004, no papel principal

Sonhava em ser soldado romano e um dia chegar a fazer Pilatos. Na adolescência, a timidez tomou conta e mesmo assim entrou para o grupo dos soldados romanos, onde achava que ia “fazer carreira”. Perto dos 18 anos usava o cabelo comprido e chegou até a pensar que poderia fazer o papel de Jesus em algumas cenas. Mas a aparência juvenil e o porte físico ainda não permitiam.

Em 2014 e 2015 ficou fora do grupo enquanto estudava música. Voltou em 2016 querendo fazer um dos zelotes, grupo que acompanhava Barrabás nas revoltas contra os romanos, para participar da cena de luta contra os soldados. Mas foi convidado para atuar como cortesão da cena de Herodes.

Sempre contido, tinha na docilidade sua característica mais marcante, o que não combinava com o esperado de um cortesão naquela cena. O próprio ator que fazia Herodes, Luiz Carlos Moreira, disse na época que ele era muito dócil para aquele papel. E foi ali que se despertou um olhar diferenciado da direção artística do grupo para Gustavo.

No ano seguinte, em 2017, participou dos ensaios a pedido do diretor, fazendo as vezes de César Kuzma, que há 14 anos fazia o Jesus principal, mas por morar fora, não participava de todos os ensaios. Gustavo não teve dificuldade, já que, desde criança, tinha as falas decoradas – não só as de Jesus, diga-se de passagem.

Somente duas semanas antes da apresentação, Massi informou que ele realmente faria algumas cenas no espetáculo. Foi um susto e uma alegria. Sua vida virou de cabeça para baixo de uma hora para outra. Tinha que se preparar para o papel, tanto física como espiritualmente. A cabeça tinha que ficar no lugar, o coração precisava se acalmar e o cabelo precisava de aplique. As atenções se voltaram pra ele. Preparador de ator, figurinos, maquiagem, colegas atores, todo mundo queria ajudar a preparar o Jesus calouro. E foi tudo muito bem feito. Gustavo se sentiu realizado.

Mas foi após a apresentação que ele sentiu a maior emoção. Gustavo recebeu um abraço de César Kuzma, que disse em voz baixa: “hoje eu te passo o manto”. Era o final de um ciclo e o início de outro, com a mudança do ator principal do espetáculo, depois de 15 anos, tudo sob a bênção do primeiro Jesus e diretor artístico Aparecido Massi.

Cesar Kuzma fez o papel de Jesus de 2004 a 2017 (exceto 2014)

Cesar Kuzma fez o papel de Jesus de 2004 a 2017 (exceto 2014)

Agora em 2018, Gustavo trabalhou arduamente para a construção do personagem. Inspirou-se nos antecessores Aparecido Massi e César Kuzma, mas fez questão de imprimir sua marca lançando mão de uma interpretação que represente Jesus como o homem que foi. As expressões, os sorrisos e os gestos trarão ao público a imagem de um Jesus simples, centrado, natural e determinado… como é o Gustavo Ferreira de Deus, do Lanteri!